3 de abr. de 2013

Um homem coerente


Um homem coerente

Por Guilherme Celestino, editor – Hexis Editora



O livro Maurício Grabois: Meu Pai, de Victória Lavínia Grabois, nos conta a vida de um homem que por suas ideias e posicionamento político foi atravessado pelos desacertos do país, cuja história política traz a marca do descompasso: ora regido por regimes democráticos, ora  por regimes autoritários que bruscamente interrompem o processo democrático. Entrar em contato com essa história, não traz apenas a constatação triste dos descalabros, mas também nos faz deparar com alguns homens e mulheres que insistiram em defender a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mesmo em momentos em que expressar ou defender tais ideias faria alguém correr o risco de ser preso, virar clandestino, até de ser torturado ou morto.

O livro, escrito por sua filha, traz uma marca emocional impressionante, que reflete a trajetória de quem sofreu diretamente o impacto das perseguições políticas e ideológicas. Victória Grabois, hoje, é importante militante dos Direitos Humanos pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, empreendendo a luta pela memória, verdade e justiça quanto aos crimes de Estado no regime de exceção. Luta, aliás, que vem sendo hoje teoricamente articulada pela Comissão da Verdade, que infelizmente tem se mostrado com uma atuação pouco efetiva e recalcitrante. No livro-depoimento temos oportunidade de entrar em contato com a história recente do Brasil, através da vida de um homem de extrema coerência.

Maurício Grabois (1912-1972?) desde jovem optou pela militância no Partido Comunista, defendendo a realização de uma realidade mais digna para os brasileiros, e do interesse nacional contra a ação imperialista do capital estrangeiro, e assim se manteve por mais de 40 anos. A luta política foi para ele lugar de enfrentamento das vozes discordantes, nos pouquíssimos anos de democracia em que pode livremente atuar (1946-47), e no resto do tempo, enfrentamento em que defendia suas posições contra a perseguição e o confronto de forças desiguais que por fim lhe extinguiram a vida. Cabe dizer que seus restos mortais, de seu filho, genro e de mais 66 companheiros mortos na guerrilha, nunca foram entregues às famílias e a situação das mortes também nunca foi completamente esclarecida.

Independente se concordamos ou não com seus ideais e práticas, eis uma presença histórica de alguém que como poucos foi capaz de agir pela concretização daquilo que acreditava teoricamente, assumindo as consequências de seus atos. Um exemplo talvez estranho em nossa era "pós-moderna" de fragmentação teórica e oportunismo pragmático. É patente a coerência que Maurício Grabois investiu nas diversas funções que assumiu: dirigente de partido, deputado constituinte, pensador marxista-leninista, líder de guerrilha rural, companheiro, pai e avô.

Encontramos em Grabois as aspirações revolucionárias da esquerda de seu tempo, que via na revolução cubana de Che Guevara um ensaio que poderia servir de base a toda a América Latina. Em "Duas concepções, duas orientações políticas" (Anexo 1, p.150-159), ele expõe não apenas o racha que vai separar em dois o Partido Comunista, em 1960, mas o afastamento autoconsciente do projeto nacional desenvolvimentista ao qual o grupo liderado por Prestes se alinhava ao tacitamente apoiar (no sentido de não fazer oposição) o governo Kubitscheck. Hoje, o sentido histórico nos permite ver no que deu esse projeto, sagazmente refutado em 60 por Grabois, para ficarmos em apenas um aspecto (terrível) desse "legado": tomemos a transferência da capital para Brasília, que permitiu não apenas muito das condições para que a ditadura militar se estabelecesse, mas o florescimento de toda uma cultura política que situa os dirigentes numa distância "pacífica" da população e das massas, muito propícia ao fisiologismo, clientelismo e corrupção que vigoram até hoje.


Maurício Grabois: Meu Pai
Victória Lavínia Grabois.  Rio de Janeiro, Hexis Editora, 2012, 169 páginas, R$ 36,00.
Lançamento:
09/04/2013, às 18 horas
Livraria Argumento, Rua Dias Ferreira 417, Leblon
Debate:
16/04/2013, às 17 horas
UFRJ – Auditório Manoel Maurício – Campus da Praia Vermelha
Debatedores:
Aluízio Alves Filho – Professor de Ciências Políticas da UFRJ – aposentado
Carlos Tibiriçá Miranda – Diretor da Fundação Maurício Grabois




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